Toxicologia de Medicamentos: O que é placebo?

10 anos atrás

Segundo o dicionário eletrônico Caldas Aulete (http://www.aulete.com.br/placebo) placebo:

sm.

1. Med. Substância farmocologicamente neutra, cirurgia ou terapia simulada us. para controlar reações, ou administrada a um paciente pelo seu possível efeito psicológico benéfico. Há casos de cirurgias de nariz que são realizadas de forma psicológica para o paciente.

a.

2. Diz-se do efeito observável ou mensurável sobre uma pessoa ou grupo tratado com placebo.

Do ponto de vista etimológico, a palavra latina placebo é o futuro do indicativo do verbo Placere, agradar. A tradução literal seria agradarei. O nome era dado a certas prescrições que o “médico” fazia para agradar ou comprazer o doente, substância ou preparado de pouca ou nenhuma ação terapêutica¹.

O efeito placebo ganha destacada importância nos mecanismos cerebrais que trazem consciência aos estímulos nervosos atrelados à dor; sendo a sensação experimentada em grande parte dependente da forma como se pensa a mesma. O efeito placebo pode ser capaz de aliviar ou suprimir por completo a sensação de dor, mesmo que o estímulo doloroso continue a sensibilizar, com igual intensidade, as vias neuronais correspondentes.

Existem comprimidos “milagrosos” que na verdade não deveriam produzir efeito algum – estes são os placebos, que vêm em diferentes formas e tamanhos, mas sem ingredientes ativos. Todavia, surpreendentemente, muitas vezes provocam algum tipo de efeito.

Desde algum tempo tem-se pesquisado bastante a respeito do como e do porquê essas pílulas sem princípios ativos atuarem. Sabemos, por exemplo, que, em determinadas situações, elas podem ser muito eficazes no alívio da dor ou da depressão. Mas há indicativos de que mesmo em patologias neurológicas talvez mais complexas, como a doença de Parkinson, em que não há a produção adequada do neurotransmissor dopamina pelo cérebro, pode haver uma melhora pelo uso de placebo²,³.

A Jon Stoessl4, diretor do Centro de Pesquisa de Parkinson do Pacífico, da Universidade de British Columbia, em Vancouver, Canadá, que estuda muito o assunto5, acredita que o placebo pode, por vezes, minimizar os sintomas de Parkinson, liberando o máximo de dopamina como em alguém com um sistema de dopamina saudável. Não se conhece como, farmacodinamicamente, o placebo estimula o cérebro a produzir mais dopamina, uma vez que o Parkinson é causado pela aparente incapacidade do cérebro de produzir o suficiente daquele neurotransmissor.

No entanto, de qualquer sorte, tal resposta favorável parece durar apenas por breve tempo, sinalizando que, enfim, o placebo não induz uma cura milagrosa. Além do mais, ainda que induzisse, haveria um sério problema ético a ser enfrentado, posto que os profissionais de saúde não poderiam mentir para os pacientes, trocando os fármacos verdadeiros, com princípios ativos estabelecidos farmacologicamente, por placebos.

Mas são cada vez maiores as evidências de que o placebo pode disparar a habilidade natural do cérebro de produzir os mediadores químicos de que necessita. Assim, Tor D. Wager6, da Universidade do Colorado7, estuda o que ocorre no cérebro quando as pessoas recebem um placebo e imaginam tratar-se de um analgésico: dá-se uma liberação de opióides endógenos, uma espécie de “morfina” do cérebro, significando que o efeito placebo está se utilizando do mesmo circuito de controle da dor que um medicamento opiáceo como a morfina8.

Pelas observações parece ser plausível especular que o placebo gera resultados diferentes, dependendo daquilo que o paciente espera(/deseja) que ele faça: estimular a liberação da dopamina, quando o paciente acredita que ele é um medicamento para produzir exatamente tal efeito, ou aliviar a dor, se ele pensa se tratar o placebo de um analgésico.

Nosso cérebro parece se comportar como uma farmácia natural, liberando continuamente doses de agentes químicos, que agem como fármacos internos, seja para analgesiar uma dor, seja para, ao contrário, fazer com que melhor a percebamos, seja para nos fornecer energia, ou para nos acalmar. Os fármacos efetivos atuam porque, molecularmente falando, as células cerebrais têm receptores específicos com os quais as moléculas destes fármacos interagem. Então, existem também substâncias endogenamente biossintetizadas pelo cérebro, que receberam por missão agir sobre tais receptores acarretando os efeitos como analgesia, euforia. Os receptores cerebrais evoluíram para poder responder a esses mediadores químicos naturais ou originais. Os fármacos descobertos ou racionalmente planejados pelo homem fazem imitar aquelas substâncias agonistas fisiológicas produzidas pelo próprio cérebro. Portanto, visto sob esse aspecto, o cérebro poderia ser considerado como uma pequena farmácia natural, saliente-se, provendo, de um modo ou outro, a dose contínua de “remédios” para sustar a dor ou para nos dar energia ou calma. E parece que esta farmácia interna pode estimular ou ser estimulada pelo placebo.

E o que é nocebo?

nocebo é a imagem negativa do placebo. A palavra, também de origem latina, deriva de nocere, que pode ser entendida como produzir dano. Nocebo seria então produzirei dano. Tanto o efeito placebo quanto o nocebo nos atingem num ponto de muito difícil acesso e controle por nossa parte: em nosso inconsciente. O efeito placebo tem sido profundamente pesquisado. Na biblioteca online da pasta da Saúde dos Estados Unidos registram-se quase 160 mil entradas para essa palavra. Contrariamente, a palavra “nocebo” registra na mesma fonte apenas 180 entradas (http://www.sertox.com.ar/modules.php?name=News&file=article&sid=5603).

Algumas referências bibliográficas recentes importantes são (por ordem cronológica decrescente):

  • Požgain, I., Požgain, Z., Degmečić, D. Placebo and nocebo effect: a mini-review. Psychiatr Danub. 2014; 26(2): 100-7.
  • Agid O., Siu C.O., Potkin S.G., Kapur S., Watsky E., Vanderburg D. et al. Meta-regression analysis of placebo response in antipsychotic trials, 1970-2010. Am J Psychiatry 2013; 170:1335-44.
  • Benedetti, F. Placebo and the new physiology of the doctor-patient relationship. Physiol Rev 2013; 93: 1207-1246.
  • Data-Franco, J., Berk, M: The nocebo effect: a clinicians guide. Aust N Z J. Psychiatry 2013; 47: 617-23.
  • Jakšić, N., Aukst-Margetić, B., Jakovljević, M. Does personality play a relevant role in the placebo effec
    t?Psychiatr Danub. 2013; 25: 17-23.
  • Murray, D., Stoessl, A.J. Mechanisms and therapeutic implications of the placebo effect in neurological and psychiatric conditions. Pharmacology & Therapeutics. 2013; 140: 306-318.
  • Brody, H., Miller, F.G. Lessons from recent research about the placebo effect: from art to science. JAMA. 2011; 306(23): 2612-2613.
  • Colloca, L., Miller, F.G. The nocebo effect and its relevance for clinical practice. Psychosom Med. 2011; 73: 598-603.
  • Finniss, D.G., Kaptchuk, T.J., Miller, F., Benedetti, F. Biological, clinical, and ethical advances of placebo effects. Lancet. 2010; 375(9715): 686-695.
  • Rodriguez-Raecke, R., Doganci, B., Breimhorst, M. et al. Insular cortex activity is associated with effects of negative expectation on nociceptive long-term habituation. J Neurosci. 2010; 30(34): 11363-11368.
  • Varelmann, D., Pancaro, C., Cappiello, E.C., Camann, W.R. Nocebo-induced hyperalgesia during local anesthetic injection. Anesth Analg. 2010; 110(3): 868-870.
  • Colloca, L., Sigaudo, M., Benedetti, F. The role of learning in nocebo and placebo effects. Pain. 2008; 136(1-2): 211-218.
  • Mondaini, N., Gontero, P., Giubilei, G. et al. Finasteride 5 mg and sexual side effects: how many of these are related to a nocebo phenomenon? J Sex Med. 2007; 4(6): 1708-1712.
  • Kaptchuk, T.J., Stason, W.B., Davis, R.B. et al. Sham device v inert pill: randomised controlled trial of two placebo treatments. BMJ. 2006; 332(7538): 391-397.
  • Colloca, L., Lopiano, L., Lanotte, M., Benedetti, F. Overt versus covert treatment for pain, anxiety, and Parkinson’s disease. Lancet Neurol. 2004; 3(11): 679-684.

Nocebo diz respeito ao que de indesejável se pode verificar no paciente quando este é submetido a um excesso de informações a respeito do fármaco (remédio) ou do tratamento. Poder-se-ia dizer que saber informações em demasia, sobretudo a respeito dos possíveis efeitos colaterais, dispara processos quiçá insconscientes capazes de gerar enfermidade justamente pela expectativa da sobrevinda exatamente da colateralidade.

Um paciente oncológico que se convenceu que tem apenas poucos meses de vida, talvez venha a óbito mais rapidamente (independentemente do crescimento de seu tumor) do que um outro paciente em condições equivalentes mas que não acredita que esteja prestes a morrer. Eis aí, novamente, o efeito Nocebo, conforme advoga o neurologista alemão Magnus Heier em seu livro Nocebo: Wer”s glaubt wird krank, com o subtítulo. Wie man trotz Gentests, Beipackzetteln und Röntgenbildern gesund bleibt (2012, editora Hirzel:http://www.hirzel.de/titel/59047.html). Heier assim diz: “Os pacientes de câncer começam a sentir fortes náuseas quando entram nas salas de  quimioterapia porque intuem a nível inconciente que sentirão essas náuseas depois”.

O nocebo é deflagrado principalmente pelo excesso de informações que não se pode ordenar de maneira adequada, especialmente quando se procuram enfermidades ou síntomas na internet, ou mesmo pela bula do medicamento, que discrimina a gama possível dos efeitos secundários, uma obrigação legal, mesmo que alguns tenham estatística muito baixa de ocorrência, como 1:10.000 pacientes.

Luana Colloca e Damien Finniss, no artigo Nocebo Effects, Patient-Clinician Communication, and Therapeutic Outcomes [JAMA. 2012; 307(6): 567-568 http://jama.jamanetwork.com/article.aspx?articleid=1104968], dizem que atualmente se admite a existência dos efeitos nocebo que surgem durante tratamentos de rotina, afetando negativamente os resultados clínicos, apesar de não se haver administrado placebo. E vão além: “Os efeitos nocebo e os efeitos placebo são o resultado direto do contexto psicossocial ou do meio ambiente terapêutico na mente do paciente, o cérebro e o corpo. Ambos os fenômenos podem ser produzidos por múltiplos fatores, como as sugestões verbais e a experiência passada”. Em outra parte destacam: “Tal como acontece com o seu homólogo, o placebo, as respostas nocebo mostram a forte interação entre o contexto terapêutico e a interação entre mente e cérebro do paciente. Esse fenômeno tem sido demonstrado em estudos bem elaborados que mostram como a informação verbal negativa pode converter um estímulo não-nociceptivo em uma experiência estimulante de dor, notadamente do mesmo nível que a causada por um estímulo doloroso”. Mencionam os autores que informar aos pacientes a interrupção do uso da morfina num momento determinado do tratamento pode se associar a um aumento significativo da percepção de dor comparado à suspensão deste fármaco sem informação prévia.

Požgain et al. publicaram uma revisão [Placebo and nocebo effect: a mini-review. Psychiatr Danub. 2014 Jun;26(2):100-7] sobre os efeitos placebo e nocebo, discutindo diversas teorias de fenômenos neurobiológicos e do campo da psiquiatria, já que estes efeitos parecem exercer substancial papel em diversas condições psiquiátricas, tais quais, depressão, ansiedade e esquizofrenia.

Portanto, do ponto de vista do mecanismo, os efeitos placebo e nocebo parecem envolver componentes psicológicos (autossugestão, traços de otimismo ou pessimismo, efeitos de expectativas pessoais, dinâmica interpessoal na relação profissional de saúde-paciente, traços de personalidade farmacofílica ou farmacofóbica); neurobiológicos (mecanismos de ativação corpo-mente relacionadas com patogênese/salutogênese ou sistema punição/recompensa, sensibilização ou mecanismos de habituação através de mediadores químicos e neurotransmissores (ex: atividade serotoninérgica, noradrenérgica, dopaminérgica etc), bem como respostas hormonais e imunológicas.

Colloca e Finniss realçam que a investigação dos efeitos nocebo importantes alerta sobre a maneira pela qual se revelam os possíveis efeitos adversos aos pacientes na atenção clínica de rotina. Tal maneira pode afetar não apenas o risco de percepção por parte do paciente, mas também, e mais importante, os próprios resultados clínicos. Ademais, a informação deve ajustar-se a cada paciente e levar em conta aquilo que o paciente deseja saber e o que já aprendeu sobre o tratamento e sua condição, devido o acesso generalizado à informação dos tratamentos e de seus efeitos adversos.

Por fim, estas discussões nos remetem a tantas outras reflexões no contexto dos serviços de saúde, que, muitas vezes, pela forma em que se encontram estruturados, podem exercer efeitos negativos e deletérios à saúde, que, ainda que muito distante do que se vê na prática, é definida como o estado de bem estar biopsicossocial.

Referências
Notas e referências:

1.Ver http://www.dicionarioetimologico.com.br/placebo/http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php?lingua=portugues-portugues&palavra=placebo

2.Ver http://www.neuroscience.ubc.ca/stoessl.htm

3.Lidstone,S.C.,Schulzer,M.,Dinelle,K.,Mak,E.,Sossi,V.,Ruth,T.J.,Fuente-Fernández,R.,Phillips,A.G.,A Jon Stoessl.Effectsofexpectationonplacebo-induced dopaminereleaseinParkinsondisease.Arch Gen Psychiatry67:8.857-865,Aug 2010.

4.http://ca.linkedin.com/pub/a-jon-stoessl/2a/46a/530

5. http://publicationslist.org/jstoessl

6. http://www.colorado.edu/neuroscienceprogram/wager.html

7.http://wagerlab.colorado.edu/

8.Wager, T.D., Atlas, L.Y., Leotti, L.A., & Rilling, J.K. Predicting Individual Differences in Placebo Analgesia: Contributions of Brain Activity During Anticipation and Pain Experience. Journal of Neuroscience, 31(2): 439-452, 2011. http://www.jneurosci.org/content/31/2/439.full

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