Alfabetização em química

5 anos atrás

Em seu livro “A Teia da Vida”, o físico Fritjof Capra enfatiza a importância da construção e educação de comunidades sustentáveis, com base nas lições extraídas do estudo dos ecossistemas, que são comunidades sustentáveis de plantas, animais e microrganismos. Assinala que, para compreender essas lições, precisamos aprender os princípios básicos da Ecologia e, nesse contexto, criou o conceito de Alfabetização Ecológica.

Nessa perspectiva, a União Europeia implantou a abordagem estratégica “Juntos pela Saúde” (Together for Health), no período 2008/2013, em seus Estados Membros. A iniciativa enfatiza a importância da responsabilidade pessoal no cuidado da própria saúde e estabelece o conceito de Alfabetização em Saúde, definido como o desenvolvimento de habilidades para ler, selecionar e compreender as informações, para estar apto a fazer julgamentos fundamentados no cuidado da própria saúde.


Usados de forma crescente nas últimas décadas, em praticamente todas as atividades, os produtos químicos são de importância vital para o bem-estar econômico e social da sociedade. Eles ajudam a melhorar a saúde e a qualidade de vida da população por meio do desenvolvimento de novos medicamentos, segurança alimentar, agrotóxicos e muitos outros produtos. No entanto, ao longo do seu ciclo de vida (produção, armazenamento, transporte, utilização e descarte dos resíduos), esses produtos podem ser liberados no ambiente, causando acidentes, doenças e poluição, que resultam, também, em perdas econômicas.

Segundo a publicação The Lancet Commission on pollution and health (2018), a poluição química é um grande e crescente problema global. Os efeitos da poluição química na saúde humana são ainda mal definidos e sua contribuição para a carga global de doenças é subestimada. Mais de 140.000 novos produtos químicos e pesticidas foram sintetizados desde 1950. Destes materiais, os 5.000 produzidos em maior volume tornaram-se amplamente dispersos no meio ambiente e são responsáveis ​​pela exposição humana quase universal.

O estudo alerta que menos da metade desses produtos químicos de alto volume de produção foram submetidos a qualquer teste de segurança ou toxicidade, e a avaliação rigorosa do pré-mercado de novos produtos químicos tornou-se obrigatória apenas na última década e em apenas alguns países de alta renda. Isto ocorreu porque acreditava-se que a única ameaça à saúde relacionada aos produtos químicos fosse os acidentes, resultantes da exposição a altas concentrações e que a exposição repetida a concentrações moderadas e baixas de produtos químicos seria inofensiva.

Progressivamente os produtos químicos passaram a estar presentes nos locais de trabalho e de permanência das pessoas, nos alimentos e no meio ambiente (ar, água e solo), gerando crescentes situações de exposição. Entretanto, a sociedade brasileira encontra-se pouco informada e despreparada, em termos de recursos humanos e laboratoriais, para a prevenção e o diagnóstico de doenças ocupacionais e ambientais causadas por produtos químicos.

Confirmando um alerta do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) feito em março de 2015, a Comissão Lancet afirma que a poluição química constitui, atualmente, a principal causa de morte no mundo, sendo que cerca de 92% das mortes ocorrem nos países de baixa e  média rendas. As crianças estão em alto risco de doenças resultantes da poluição química, sendo que, mesmo exposições extremamente baixas a poluentes durante a vida intra-uterina e na primeira infância podem resultar em doenças, deficiências e mortes.

Segundo a publicação Human Biomonitoring: facts and figures, editada pela Organização Mundial de Saúde, em 2015, os dados disponíveis mostram que significativo número de cidadãos europeus apresentam níveis elevados de cádmio e chumbo no organismo. Acrescenta o estudo que, em países com elevado consumo de peixe, ocorrem exposições pré-natais, em níveis acima do normal, ao metilmercúrio, um potente neurotóxico do desenvolvimento. Além disso, os níveis de dioxina no leite humano excedem os níveis considerados seguros para os recém-nascidos.

Atualmente o Brasil é um dos maiores produtores químicos do mundo, sendo que, com a crescente transferência da produção química dos países desenvolvidos para os países subdesenvolvidos e em desenvolvimento, ressaltada na publicação da Comissão Lancet, a produção no país deve aumentar. Por outro lado, em consequência do sucesso do agronegócio, o Brasil é atualmente o maior consumidor de agrotóxicos do mundo.

Para superar os desafios da ameaça química acima descritos é importante a Alfabetização em Química, para que as pessoas tenham o conhecimento básico para ler e compreender as informações sobre os produtos químicos a que estão expostas, para adotarem as medidas necessárias para eliminar ou reduzir  sua exposição. Este processo de aprendizagem deve iniciar-se na Tabela Periódica dos Elementos Químicos, que são as unidades da matéria (átomos) que se combinam para formar todos os materiais existentes no planeta. Na Tabela Periódica, os átomos dos Elementos Químicos estão representados por meio de letras, juntamente com os respectivos número atomico e número de massa, como mostra a Figura 1, abaixo.

Figura 1- Tabela Periódica dos Elementos Químicos

Nesse contexto, a Comissão Nacional de Segurança Química (CONASQ), colegiado vinculado ao Ministério do Meio Ambiente, aprovou, em 04 de dezembro de 2013, um Termo de Referência de Educação em Segurança Química, com o objetivo de propor estratégias para o desenvolvimento e a consolidação de uma Cultura de Segurança Química compatível com as necessidades da sociedade brasileira, como base para a prevenção e o controle dos efeitos adversos dos produtos químicos, em todas as fases dos respectivos ciclos de vida.

Os três episódios relatados a seguir demonstram a falta de informação das pessoas em questões básicas relacionadas à Química, a consequente falta de percepção dos riscos e a falta de cuidados básicos no manuseio de produtos químicos, acarretando acidentes. Uma empregada doméstica misturou Ajax (hidróxido de amônio – NH4OH) e água sanitária (hipoclorito de sódio –  NaClO) e aplicou a mistura no piso do banheiro, dentro do box, com a porta fechada. A reação química entre os dois produtos formou gás cloramina (NH2Cl). Felizmente, ela conseguiu sair do banheiro para uma área ventilada. Por pouco ela poderia ter perdido a consciência e sofrido consequências graves.

A Sociedade Real para a Prevenção de Acidentes do Reino Unido (The Royal Society for the Prevention of Accidents), em 2002, estimou a ocorrência de 3.300 acidentes que necessitaram de tratamento hospitalar, causados por soluções de hipoclorito de sódio, a cada ano, nos lares britânicos. Este estudo assinala a importância da exposição a produtos de limpeza doméstica, que geralmente são utilizados sem qualquer cuidado nos lares brasileiros.

O segundo episódio consistiu em grave acidente químico ocorrido em Bataguassu, MS. Um motorista descarregou Koramin – produto empregado para limpar pelo de couro, à base de sulfeto de sódio (Na2S) – em um tanque contendo um produto incompatível – Kromium (sulfato de cromo CrSO4 e ácido sulfúrico H2SO4). Ocorreu uma forte reação química, com liberação de gás sulfídrico (H2S), um poderoso asfixiante químico. O acidente teve como danos imediatos 4 trabalhadores mortos e 24 internados.

O terceiro caso tratou da morte de um jovem em Itaipava, Distrito de Petrópolis, RJ, que, em virtude do frio, fechou a janela do banheiro para tomar banho quente. O aquecedor a gás, localizado dentro do banheiro, em consequência da combustão incompleta do GLP, gerou monóxido de carbono, outro poderoso asfixiante que, pela falta de ventilação, atingiu concentração mortal.

Os três episódios são uma amostra do que ocorre cotidianamente no país, assinalando como a falta de informação básica em Química acarreta situações de risco e graves acidentes, em praticamente todos os segmentos da sociedade brasileira. A utilização crescente dos produtos químicos na vida moderna, aliada à importância da produção química do país, aponta para a necessidade de um amplo movimento de Alfabetização em Química no país.

No contato com profissionais de Segurança, Meio Ambiente e Saúde temos observado que, aqueles desprovidos dos conhecimentos básicos de Química têm sérias dificuldades nas análises de riscos dos processos produtivos, já a partir da etapa de identificação de perigos. Este fato alinha-se à afirmação do pesquisador holandês Paul Swuste no título de seu artigo publicado em 2008, “You will only see it, if you understand it” que significa você só enxergará o que compreender. Nesse contexto, pode-se afirmar que a Química é um instrumento essencial para a plena compreensão da dinâmica dos processos produtivos e dos perigos a eles inerentes.

Nessa perspectiva, a educação brasileira, em todos os níveis, deve contemplar a progressiva construção de uma Cultura de Segurança Química, alicerçada na efetiva aprendizagem dos conceitos fundamentais de constituição da matéria, átomos e moléculas; estrutura atômica: prótons, nêutrons e elétrons; combinações químicas; valência e nº de oxidação; eletrovalência e covalência; fórmulas químicas;  ligações polares e apolares; solubilidade; densidade; volatilidade; as principais funções da Química Inorgânica e suas propriedades; as principais funções da Química Orgânica e suas propriedades; as incompatibilidades entre os produtos químicos e demais conceitos básicos de Química, essenciais para o uso e o trabalho, de acordo com os requisitos de segurança, saúde e proteção do meio ambiente.

Para os leitores sensibilizados com os fatos expostos que queiram ampliar seus conhecimentos, sugerimos a leitura do livro Química para Leigos, da autoria de Jonh T. Moore, Professor da Stephen F. Austin State University, Texas, USA, editado pela AltaBooks, em português.

Newton Richa – Médico do Trabalho
Representante da UFRJ na Comissão Nacional de Segurança Química (CONASQ/MMA).

Newton Richa

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